De tradição arreigada, a exploração de mós de calcário1 constituiu até meados do século XX, em Condeixa-a-Velha, uma atividade dominante e de inegável peso económico, chegando a absorver, em média, cerca de metade da população da aldeia, entre cabouqueiros e mulheres e crianças que, na impossibilidade de manejarem o picão com a força e destreza de um homem, encontraram, na limpeza do cascalho das pedreiras e na magreza do salário, a mesma dureza do trabalho.
O ofício de cabouqueiro requeria um saber-fazer transmitido de geração em geração. A seleção do bloco grosseiro, de acordo com as características do trabalho pretendido, a marcação do contorno circular da peça, os cortes vertical e horizontal e a abertura do olho – onde encaixaria o eixo – constituíam as principais fases do processo de produção de uma mó, que se arrastava normalmente por três dias. A eventual presença de fissuras na mó deitava por terra todo este esforço, pelo que só o desembaraço na utilização das ferramentas de cantaria e o conhecimento da pedra trabalhada poderiam reduzir a probabilidade de fracionamento da peça.
O potencial geológico de Condeixa-a-Velha, com recursos abundantes de pedra calcária de qualidade, favoreceu indubitavelmente o desenvolvimento da atividade extrativa; mas a prosperidade desta indústria artesanal – a que já em 1758 se fazia referência, aludindo-se à exportação do seu produto para todo o reino e até mesmo para fora dele – só pode ser cabalmente compreendida mediante a consideração de outros fatores, como sejam a abundância da produção cerealífera local e a presença deveras significativa de moinhos, mercê da prodigalidade aquífera e ventosa da zona. As mós não ofereciam, pois, quaisquer problemas de comercialização; as encomendas sucediam-se e, dada a forte procura, o produto escoava-se com facilidade.
A década de 60 do século passado veio contudo assinalar o início do declínio da indústria de produção de mós, devido, muito possivelmente, ao desenvolvimento industrial registado no país; e o último cabouqueiro de Condeixa-a-Velha, já desaparecido, levou consigo o segredo de uma arte de tradições seculares. Mas as marcas desse passado, ainda bem visíveis, estão inscritas na idiossincrasia dos habitantes de Condeixa-a-Velha, bem como na própria fisionomia da aldeia onde, a par de diversas pedreiras, se encontram, a todo o momento, as mós que a indústria moageira enjeitou, utilizadas em fins decorativos e utilitários.
1 Vide, a este propósito, PESSOA, Miguel e RODRIGO, Lino, «Cabouqueiros de mós em Condeixa-a-Velha», separata do I Encontro nacional Sobre o Património Industrial (Actas e Comunicações), vol. II, Coimbra, 1990. Aqui se analisa, com pormenor, a atividade de extração de mós através do percurso de Manuel Pita, o último cabouqueiro de mós em Condeixa-a-Velha.